Três diferentes entendimentos acerca da integralização de imóveis ao capital social têm dividido argumentos entre contribuintes e municípios.
Em agosto de 2020, foi julgado pelo STF o Recurso Extraordinário nº 796.376 (Tema 796), com sede de repercussão geral, em que ficou decidido que ”a imunidade em relação ao Imposto Sobre Transmissão de Bens (ITBI), prevista no inciso I do §2º do artigo 156 da Constituição Federal, não alcança o valor dos bens que exceder o limite do capital social a ser integralizado”.
No início do mês de fevereiro, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu, por maioria (7 x 4), que o ITBI deve ser calculado com base no valor pago na compra do imóvel.
Em outro precedente, controvertendo o tema entre contribuinte e o Município de Caucaia, o relator para o acórdão, desembargador Fernando Luiz Ximenes Rocha, da 1ª Câmara de Direito Público, afirma em seu voto que essa nova orientação “é contrária à jurisprudência majoritária dos tribunais pátrios, que, até então, sempre utilizavam a análise da existência ou não de atividade preponderante para fins de cobrança de ITBI, mesmo na hipótese de integralização de capital” (TJCE, Rela. Desa. Lisete de Souza Gadelha, AC n° 0011320-46.2019.8.06.0064).
O ITBI, vale lembrar, é o imposto incidente sobre a transmissão “inter vivos” de bens imóveis e de direitos reais sobre imóveis.
O art. 156, §2º da Constituição Federal expõe como causa de imunidade do ITBI a incorporação do patrimônio para a constituição de empresas: “(…) não incide sobre a transmissão de bens ou direitos incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica em realização de capital, nem sobre a transmissão de bens ou direitos decorrente de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica, salvo se, nesses casos, a atividade preponderante do adquirente for a compra e venda desses bens ou direitos, locação de bens imóveis ou arrendamento mercantil;”.
Operação bastante comum no contexto de planejamentos sucessórios, reestruturações patrimoniais e fases iniciais de empreendimentos imobiliários, a transferência do imóvel para uma pessoa jurídica, a imunidade só não era válida para empresas que tinham como atividade preponderante a compra e venda ou locação de bens imóveis. Estas companhias, por sua vez, sempre estiveram sujeitas ao pagamento do imposto na grande maioria dos municípios brasileiros.
Quais são os pontos de divergência jurídica?
No julgamento do STF, a primeira parte da decisão acima referida foi nitidamente desfavorável aos contribuintes, já que limitou a imunidade ao valor do capital social a ser integralizado. A título de exemplo, se o capital social a ser integralizado for de R$ 20.000,00 e o bem imóvel estiver avaliado em R$ 100.000,00, a diferença de R$ 80.000,00 a ser registrada como reserva de capital estará sujeita à incidência do ITBI.
Em contrapartida, a tese secundária extraída do julgado tem parecer favorável aos contribuintes, em particular às empresas com atividade preponderante imobiliária – como holdings patrimoniais –, ao passo que, para essas, haveria imunidade do ITBI na transmissão de bens imóveis e direitos quando há integralização do capital social.
Com base no precedente do STF, há decisões favoráveis aos contribuintes nos Tribunais de Justiça de São Paulo, Minas Gerais, Bahia e Ceará, pelo reconhecimento da imunidade do imposto.
A Constituição Federal não faz qualquer menção à proporção entre o valor do imóvel que foi/será transferido e o capital social da sociedade que recebeu/receberá o imóvel. O requisito principal, para o reconhecimento da imunidade, está relacionado à preponderância da atividade, calculada com base na receita operacional da pessoa jurídica.
No entanto, o julgamento do STF abre margem para a interpretação de que, nas operações de integralização de capital social, não incide ITBI apenas até o valor do imóvel registrado na declaração do imposto de renda. Ou seja, se a prefeitura entender que o valor venal do bem imóvel é superior ao declarado, pode passar a cobrar ITBI do montante excedente.
Além disso, na decisão do STF aponta que todas as empresas estão imunes, independentemente da atuação, mas somente até o limite do capital social. Ou seja, poderão passar a pagar ITBI sobre o montante excedente entre valor do capital integralizado e o valor venal do imóvel. Trata-se de uma mudança de paradigma grande para o contribuinte.
Resultados e consequências práticas da integralização de capital pelo ITBI
Mesmo com a imunidade do pagamento do ITBI até o limite do capital social, nas operações de integralização de um bem imóvel à pessoa jurídica, as empresas podem sofrer consequências negativas com a decisão do STF. Primeiramente, porque, na grande maioria dos casos, o montante excedente é maior do que o valor histórico do imóvel.
Em concordância ao que foi exposto, evidencia-se que houve alteração do entendimento até então pacífico na Suprema Corte, tendo em vista que o dispositivo constitucional em voga sempre foi majoritariamente interpretado no sentido de que, nos casos tanto de transmissão de bens em realização de capital quanto de fusão, incorporação, cisão ou extinção, a imunidade só faria jus se a atividade preponderante do adquirente não fosse imobiliária.
Esse novo entendimento da Suprema Corte pode afetar planejamentos sucessórios, patrimoniais e tributários, uma vez que a utilização de estruturas na constituição de holdings muitas vezes envolve a subscrição de capital nos moldes da decisão do STF.
É igualmente importante registrar que o julgado não tratou da regra que permite ao contribuinte optar por transferir os imóveis pelo valor da respectiva declaração de bens ou pelo valor de mercado (art. 23 da Lei n. 9.249/95 c/c art. 142 do RIR), de modo que continua a ser uma escolha do particular a atribuição do valor pelo qual o bem será transferido.
Tal esclarecimento se faz necessário, pois, a partir do julgado, surgiram algumas interpretações muito “a propósito” do que foi decidido pelo STF, que em nenhum momento conduz a uma autorização aos municípios para avaliarem, por valor de mercado, os bens imóveis incorporados, que, pelo seu valor histórico, integralizaram o capital social da pessoa jurídica, a fazer incidir o ITBI sobre o valor excedente. Não se discutiu, pois, eventual divergência entre o valor integralizado e o valor de avaliação dos bens pelo município, cuja situação sequer ocorreu no caso concreto analisado.
Partindo de uma leitura equivocada da decisão do Supremo, algumas municipalidades estão entendendo que, com base no art. 23 da Lei n. 9.249/95, o valor que deixou de ser tributado pela União, como ganho de capital, pode ser alcançado pelo ITBI. Contudo, isso sequer foi objeto do RE n. 796.376/SC, cuja controvérsia girou em torno tão somente da efetiva diferença entre o valor dos imóveis e o das cotas ou ações integralizadas.
Essa decisão, porém, não autoriza, sob hipótese alguma, a cobrança sobre suposta diferença entre o valor do capital social e o valor da avaliação unilateral por parte do município. Qualquer pretensão nesse sentido, além de desrespeitar a ratio decidendi da decisão proferida pelo Supremo, viola a imunidade prevista no art. 156, § 2º, I, da CF/1988.
Ante o que fora exposto, o acórdão do STF, ainda que merecedor de críticas em alguns pontos, nem de longe referenda a exigência de ITBI sobre a diferença entre o preço de mercado (ou o valor cadastral) do imóvel e o seu custo histórico, quando este último tenha sido adotado pelo contribuinte para integralizar cotas ou ações de igual valor de face.
Conclusões e perspectivas sobre o ITBI
Em suma, através da utilização das técnicas literal e histórica, a decisão negou provimento ao extraordinário, de maneira a não reconhecer a imunidade sobre o valor dos bens que exceder o valor do capital subscrito, tendo, inclusive, superado “aparentemente” o entendimento pacífico que vinha sendo adotado na Corte no sentido de que a preponderância da atividade imobiliária é requisito a ser observado para fruição da imunidade em tela. Pelo novo entendimento, a referida imunidade é “incondicionada”, podendo ser usufruída qualquer que seja a atividade da empresa adquirente.
Ainda no julgamento do leading case do Tema nº 796 (RE nº 796.37), o voto do ministro Alexandre de Moraes, apesar de o objeto da demanda ter sido outro, levantou a interpretação até então inovadora no judiciário sobre a imunidade prevista no § 2º, inciso I do artigo 156 da Constituição Federal, entendendo que a ressalva a respeito dos adquirentes que possuam atividade preponderantemente imobiliária refere-se apenas à transmissão de bens ou direitos decorrente de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica, o que exclui a exceção para a hipótese de integralização de capital social.
Após o voto, os contribuintes começaram a ingressar com ações judiciais individuais buscando a aplicação do entendimento do ministro. Assim, ao longo de 2021, os Tribunais de Justiça proferiram decisões a favor do contribuinte, sobre o assunto. TJMG, TJSP, TJCE e TJBA são alguns dos tribunais que já possuem decisões em segunda instância para conceder a imunidade de ITBI quando da integralização de capital em holdings e empresas do ramo imobiliário.
Na prática, a tese favorece principalmente as holdings patrimoniais, empresas criadas como estratégia de planejamento tributário, societário e sucessório que “guardam” os bens de uma ou várias pessoas físicas, fazendo com que os imóveis possam ser vendidos ou alugados dentro da pessoa jurídica.
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